Alguns munícipes da periferia de Maputo não respeitaram o recolher obrigatório, no primeiro dia em que o decreto presidencial entrou em vigor. Até às 23 horas, havia muita gente nas ruas. Já na Matola, os bairros estavam calmos.

Um teste com sabor amargo, cuja finalidade é conter a propagação do novo Coronavírus. E quis o destino que o mesmo começasse numa sexta-feira. A zona metropolitana do Grande Maputo cumpre o recolher obrigatório das 21h00 às 4h00. O jornal “O País” percorreu alguns bairros periféricos da cidade de Maputo para medir o pulsar do primeiro dia da entrada em vigor do decreto presidencial.

O histórico bairro da Mafalala, onde as antigas casas de chapa e zinco mesclam-se com a modernidade, foi o primeiro ponto visitado pela nossa equipa de reportagem. Eram 20h30 minutos no relógio. Faltavam apenas 30 minutos para o toque do recolher obrigatório, mas Mafalala ainda estava bem acordada. Aliás, tão acordada que o cenária remetia a uma tarde quente de um dia normal (em que não vigora o recolher obrigatório). Eram jovens, crianças, adolescentes, mulheres e jovens que, em pequenos grupos, jogavam a conversa fora, descontraídos e desprotegidos da COVID-19. Com a hora, ninguém se preocupa.

“Nós estamos a apanhar ar na rua. Sei que devo estar em casa até às 21h, mas ainda não são horas. São 20h30 minutos e quando forem 20h49, irei para casa. Não há chances de a Polícia encontrar fora de casa”, disse uma adolescente que não usava máscara porque, supostamente, a sufocava.

Mas não são os que só querem apanhar um ar, diga-se, diferente que se fizeram à rua no bairro da Mafalala. “Nossas casas estão muito próximas umas das outras. Por isso, aquecem muito daí que optamos em ficar na rua. A hora que o Presidente da República determinou, não estamos a conseguir. Ele tem que estender até, pelo menos, 23h ou meia-noite que é para brincarmos um pouco mais”, sugeriu uma jovem, residente no bairro da Mafalala.

E quando no tic toc do relógio deram 21 horas, o silêncio nalguns bairros da capital moçambicana era perturbador, mas no Mafalala nem por isso. Tanto que de recolher obrigatório só se ouve o que se fala, entretanto cumpri-lo parece que vai exigir mais do que simples falas.

“Imagina com essas coisas que Nyusi disse de até 21h temos que estar em casa, as barraquinhas já estão fechadas e nós tínhamos negócio nelas. Assim, onde vão comer nossas filhas?”, questionou, retoricamente, Rita Moiane, residente do bairro de Mafalala.

Depende dela mesma e o negócio ela faz só rende algum lucro no período no qual decorre, agora, o recolher obrigatório na zona metropolitana do Grande Maputo. “Como é que eu faço para me sustentar, se 21 horas já não temos como vender. Eu vendo peixe frito em Mafalala quando volto da Baixa, de noite. O que hei-de fazer? Para poder sustentar a minha filha tenho que sair de casa para vender”, contou Rita Moiane, num tom de indignação.

Indignadas estão, também, as suas companheiras que, mesmo estando cientes da infracção que cometem, estando na rua acima das 21h, alegam não ter outra solução. “Dizem que temos que sair da estrada até 21h, mas é a hora que nós temos dinheiro e procurar algo para os nossos filhos”, avançou Isabel Mondlane, residente de Mafalala, acrescentando que os moradores foram inscritos para receber o subsídio, mas “não conseguiram fazer isso até hoje. Nós estamos a passar e hoje já nos fecharam”.

E em nome do seu negócio, os residentes deste histórico e periférico bairro pedem um reajuste nos horários de recolher obrigatório. “Pelo menos o Presidente nos darem até 00h00 porque estamos a sofrer. Não sabemos o que fazer e nem como poderemos viver” apelou ao bom senso de Filipe Nysui, Diroteia Sitoe, Residente/Mafalala

Enfim…em Mafalala parece que ninguém consegue ficar trancado em casa acima das 21 horas. Aliás, até à altura da nossa retirada daquele bairro, não tinha aparecido sequer uma brigada da Polícia para fiscalização.

Cenário idêntico verificou-se nos bairros Hulene e Magoanine, onde “O País), além de constatar as pessoas estavam nas ruas depois do recolher obrigatório, o comércio fluía e se fazia o transporte de passageiros, quer pelo semi-colectivo assim como autocarros.
Um ambiente de total calmaria e tranquilidade. As ruas foram tomadas pelo silêncio e, também, por animais vadios. O bairro Patrice Lumumba, no município da Matola, está irreconhecível.

“Nos dias normais, sobretudo às sextas-feiras, até 04h00 ou mesmo 5h00, todo o bairro ficava cheio, mas agora vamos ver se isso vai continuar assim”, mostrou optimista Fernando Cuna, Guarda de uma fazenda.

Joaquim Langa, guarda de um dos estabelecimentos comerciais, também, viu um Patrice Lumumba jamais visto porque a Polícia interveio para garantir o cumprimento do recolher obrigatório.

“Às 21H, A Polícia estava no bairro Patrice a sensibilizar porque se vierem os homens da lei e ordem, não houve nenhum receio e muito menos que não foram informados. Todos receberam a informação”, indicou Joaquim Langa, morador de Patrice Lumumba.

Cumpriu-se o primeiro dia do recolher obrigatório, o sol nasceu e com a liberdade de poder circular até 21 horas, faltando apenas 29 dias para o fim ou renovar do decreto presidencial.