Moçambique não fez o seu trabalho a tempo, desde que a África do Sul agravou as medidas restritivas por causa do aumento de infecções e mortes pela COVID-19. “Atrasamo-nos a fazer TPC e criamos essa enchente” em Ressano Garcia. Quem o diz é o antigo secretário-executivo da SADC, Tomaz Salomão, para quem o controlo naquela fronteira devia ser presencial e não à distância. E avisa que o país vizinho ainda pode tomar “medidas mais restritivas e difíceis”.
Como é que analisa a situação que se vive, actualmente, à entrada da África do Sul, tendo em conta as relações existentes entre os dois países?
Obviamente que não é agradável para ninguém ver aquele tipo de imagens. As imagens que vocês [Stv] passaram nos ecrãs ontem e hoje [quarta e quinta-feira], sejam mineiros, senhoras, crianças, é um cenário desagradável de se ver e, por isso mesmo, esperamos que seja resolvido no mais curto espaço de tempo seguindo as regras.
Portanto, esse é o comentário geral que eu queria fazer. Mas o comentário subsequente ligado a isso é o seguinte: infelizmente, essas coisas acontecem pouco depois da quadra festiva e num cenário em que a África do Sul está no nível três do seu lockdown, o que significa que há um conjunto de medidas restritivas que devem ser observadas e uma delas está relacionada com o funcionamento dos pontos fronteiriços que encerram às 20 horas.
Outro aspecto é que a África do Sul vive um momento particularmente difícil, em relação à COVID-19. Isto quer dizer que desde que a pandemia iniciou, África do Sul nunca esteve na situação em que está agora. O cenário que vimos em Ressano Garcia se repercute de outra forma na fronteira entre a África do Sul e o Zimbabwe. Ou seja, porque o sistema de saúde da África do Sul está com dificuldades, as pessoas estão a dormir no chão, o pessoal da Saúde está a ficar cansado, os hospitais estão cheios e as pessoas são recomendadas a trabalhar a partir de casa. Então, começa-se a ter uma postura de dificultar tudo aquilo que sejam novas entradas no território e tudo isso se repercute nas fronteiras.
Esta situação pode também ter a ver com o facto de haver apenas um funcionário a atender na fronteira de Lebombo?
Seja como for, aquilo que acontece é que existe uma postura de tornar as coisas mais difíceis e menos facilitadas na fronteira de Lebombo. Neste caso específico, África do Sul tomou um conjunto de medidas que soam naturais. Que são: os testes válidos são os feitos no território sul-africano. Ou seja, o teste feito do lado de Moçambique, seja ele rápido, não é válido. As razões usadas são duas, uma pode ser uma razão de falsidade dos testes.
Mas a falsidade dos testes não é apenas na fronteira de Ressano Garcia. Se for à fronteira com o Zimbabwe, indivíduos produtores de testes falsos estão a actuar. Estão aí, produzem testes e é possível que esses testes falsos que nós temos aqui em Moçambique sejam testes que vieram da África do Sul e alguém esteja a comercializá-los sabendo que as pessoas estão desesperadas em regressar para África do Sul. Então, eles sabem que o grosso das pessoas que querem regressar são moçambicanos e zimbabweanos e vão para lá e vendem testes. Os sul-africanos souberam disso então não aceitam testes esses mesmos nas respectivas fronteiras.
A outra razão pode ser económica, de que para proteger a nossa própria economia, vamos utilizar apenas testes feitos no território sul-africano. Seja qual for a razão, o importante é que cada país deve olhar para aquilo que são os seus interesses e proteger os seus cidadãos. Neste caso, os sul-africanos estão a querer proteger os cidadãos, a sua economia e proteger o funcionamento das suas instituições. No nosso caso específico como Moçambique, aquilo que nos deve preocupar é que em relação aos moçambicanos que trabalham na África do Sul, nós devemos ter uma linha de prioridades. Esta linha de prioridade significa que em primeiro lugar deve-se permitir que aqueles que trabalham na África do Sul e dão um grande contributo para a economia de Moçambique tenham prioridade absoluta [para entrar naquele país]. Refiro-me aos mineiros.
Acha que o país já está a priorizar esses moçambicanos?
Diz-se que o movimento estava a melhorar. O que estou a dizer é que nós devemos procurar encontrar uma forma de garantir que este grupo de mineiros seja protegido e sejam os primeiros a atravessar a fronteira porque correm o risco de perderem o seu trabalho.
Em segundo lugar, e eu creio que isso começou a vigorar a partir de hoje [ontem], Moçambique não aceita os testes sul-africanos e precisam de ser feitos testes aqui [internamente]. Excelente! É uma medida excelente mas é importante que as pessoas saibam que o movimento na fronteira decorre normalmente.
Depois dos mineiros, haverá pessoas doentes, estudantes que têm que regressar para as suas aulas. Portanto, o que precisamos de fazer é garantir, nesse processo de querer voltar à normalidade, que as linhas sejam estabelecidas e que os mineiros tenham prioridade número um. Pessoas doentes [também] têm prioridades, estudantes têm prioridade. Os outros que vão à África do Sul por lazer, neste momento, se me permitir dar um conselho pessoal, é que esta não é a melhor altura para se ir à África do Sul para fazer lazer, pelas circunstâncias em que o país se encontra.
O vice-ministro dos Negócios Estrangeiros e Cooperação moçambicano disse, esta quarta-feira, que o Governo soube que a situação na fronteira ia ser apertada. Entretanto, nada foi feito com antecedência. Qual deveria ser a responsabilidade do Executivo ao tomar conhecimento dessa informação?
As medidas do nível três não foram anunciadas ontem, foram anunciadas antes da quadra festiva. Antes do Natal, antes do ano novo e as pessoas atravessaram a fronteira, vieram a Moçambique para celebrar a quadra festiva. As medidas do nível três permanecem válidas. Agora as pessoas estão a retornar à África do Sul. O elemento novo que surge aqui é o da negação dos testes, por essa explosão de testes falsos. E como disse, podem ser fabricados aqui [no país], como podem ser fabricados do lado sul-africano. Daí que, há uma linha de postura de que vamos evitar aceitar testes que possam ser suspeitos. O elemento que cria maior dificuldade é o do teste falso, mas a maneira de se resolver é que os Governos conversem.
E se tivesse havido uma prontidão antecipada por parte do Governo, teria sido possível evitar o problema em Ressano Garcia?
As medidas de nível três não são medidas de ontem. São medidas que vêm antes da quadra festiva. Do nosso lado, o que devia ser feito era, previamente, sabermos que medidas adicionais precisam de ser tomadas para garantir o tráfego daqueles que têm que entrar na África do Sul, em particular dos mineiros. Isso deveria ter sido salvaguardado e em devido tempo fazermos o nosso TPC para que esse tráfego fluísse normalmente. Atrasamo-nos a fazer TPC e criamos essa enchente [em Ressano Garcia]. Mas isso é passado. O importante é daqui para frente resolver o problema.
O que é que deve ser feito?
O primeiro passo foi dado. Para os que entram em Moçambique, o teste faz-se em Moçambique. Para aqueles que vão para a África do Sul, o teste faz-se na África do Sul. Este é o primeiro passo, mas não é suficiente. É preciso que se diga que, como existem muitas pessoas a quererem regressar, a prioridade é dada a alguns segmentos: seguimento número um, mineiros. Número dois, doentes. Seguimento número três, estudantes. O resto, pelas circunstâncias próprias em que África do Sul está a viver, deixamos para depois.
Este tipo de problema resolve-se com presença permanente no terreno. Não se resolve à distância. A task force, que acredito que já deve lá estar, deve agir, identificar os problema e dialogar com a contraparte sul-africana. Falhou acompanhamento permanente para que o que estava a ocorrer para que em momento próprio fossem tomadas medidas necessárias. As pessoas não deviam ser tomadas de surpresa. Deve ser informadas daquilo que devem fazer.
Como ficam as relações diplomáticas entre Moçambique e África do Sul?
A função dos diplomatas é dialogar para resolver os problemas. Creio que neste momento os diplomatas moçambicanos e sul-africanos estão a conversar (…). Resolver o problema é descongestionar a fronteira para que a circulação de pessoas e bens volte ao seu normal. Os riscos de infecção pelo Coronavírus ficam reduzidos num ambiente de alta contaminação que sabemos que é o sul-africano.
Antevê um impacto económico negativo para os dois países?
Bom, tudo indica que 2021 não será um ano fácil. A Europa já tomou medidas restritivas. A economia mundial hoje funciona de maneira integrada e globalizada. Obviamente, tudo há-de ter implicações. Primeiro, do ponto de vista da postura do sector empresarial ao olhar para 2021, se mantém os níveis de produção estabelecidos, se tem de fazer ajustamentos, se tem que racionalizar a força de trabalho e se tem que contrair menos responsabilidades para não correr riscos. Isto há-de ter implicações no produto final e nas nossas economias. Nós, porque somos uma economia que tem uma interacção grande com a África do Sul, havemos de nos ressentir disso, porque entidades que são normais fornecedoras de matérias-primas, peças sobressalentes e outros não estão a funcionar. Algo extraordinário tem de ser feito. Mas o visível de extraordinário que está aí é a vacina. Mas o senhor ministro da Saúde disse que a vacina ao existir só poderá ser a partir do segundo semestre de 2021. Vamos ter que ver como arregaçar as mangas, como ajustar o cinto e como apertar as coisas para no meio destas dificuldades continuarmos a viver.
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