Sérios problemas de fome e desnutrição ameaçam milhares de deslocados internos em Cabo Delgado que dependem da assistência do Programa Mundial para a Alimentação das Nações Unidas (PMA). Neste momento, a entidade está a distribuir cestas básicas a 400 mil pessoas afectadas pelo terrorismo, mas alerta que as acções podem cessar a partir de Março próximo, devido à escassez de fundos.
As operações humanitárias enfrentam uma escassez de 108 milhões de dólares e o número de pessoas forçadas a abandonar as suas casas aumentou para 565 mil, segundo o Governo.
Após uma avaliação exaustiva dos recursos disponíveis, necessidades nutricionais e preocupações de protecção no país, e consultas com o governo e parceiros, o PMA decidiu manter a cesta básica actual de assistência alimentar crítica a pelo menos 400 mil pessoas afectadas pela violência armada em Cabo Delgado, diz uma nota enviada ao “O País”.
“O PMA fornece uma cesta alimentar familiar mensal em espécie: de 50 kg de cereais, 5 litros de óleo e 10 kg de feijões secos e lentilhas. Também fornece assistência baseada em dinheiro onde os mercados locais funcionam, permitindo que as famílias escolham sua própria cesta básica (alimentos e kits de higiene) em troca de senhas de 3.600 meticais por mês”, explica a nota, ajuntando que a “cesta de alimentos garante pelo menos 81% das necessidades diárias de quilocalorias das famílias deslocadas e contribui para evitar que famílias já traumatizadas e vulneráveis sejam vítimas de exploração ou empreguem mecanismos de enfrentamento negativos para a sobrevivência”.
Caso prevaleça a actual escassez de financiamento e o PMA tenha de usar os seus recursos até ao limite, “a assistência alimentar vital fornecida às pessoas afectadas pelo conflito em Cabo Delgado, Nampula e Niassa será interrompida em Março de 2021”.
Nessa altura, o PMA terá esgotado suas reservas alimentares e fundos para esta resposta humanitária, acrescenta o comunicado, sublinhando que o problema “não só levanta preocupações em torno da segurança alimentar e riscos à saúde resultantes da desnutrição”, mas também “é alarmante do ponto de vista da protecção, numa crise prolongada que coloca uma carga inevitável sobre comunidades acolhedoras, podendo criar tensões intra e interfamiliares”.
Além disso, há indícios de aumento da violência doméstica e de casamento precoce, com a falta de recursos e as dinâmicas de poder desiguais a potenciarem situações de sexo para sobrevivência, que trazem riscos maiores de HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis, bem como de gravidez precoce.
As preocupações não terminam no problema acima exposto: “o tráfico e a exploração de trabalho (incluindo infantil) e o recrutamento potencial (forçado) por grupos armados também foram identificados como riscos significativos que podem ser agravados com uma redução da assistência alimentar”.
“Pessoas deslocadas internamente são especialmente vulneráveis à propagação de COVID-19 porque estão aglomeradas em acampamentos, quintais de famílias acolhedoras e ao ar livre sem-abrigo ou com abrigo inadequado, serviços de saúde e acesso à água potável e saneamento precários. Milhares de crianças e adolescentes que perderam os pais e familiares próximos precisam da nossa protecção e cuidados”, disse a representante do PMA em Moçambique, Antonella D’Aprile, citado no comunicado a que “O País” teve acesso.
A entidade precisa actualmente de 10,5 milhões de dólares por mês para fornecer assistência alimentar a 750 mil pessoas (500 mil deslocados internos e 250 mil das comunidades anfitriãs) afectadas pelo conflito no norte de Moçambique, refere o documento.
“Para garantir a assistência alimentar humanitária nos próximos 12 meses, o PMA precisa de 132,4 milhões de dólares, dos quais apenas 24,4 milhões de dólares foram garantidos até o final de Dezembro de 2020. Sem financiamento suficiente, o fornecimento de alimentos ficará comprometido”.
A decisão de manter a cesta alimentar básica surge em meio a um novo afluxo de pessoas deslocadas internamente, que procuram refúgio nos distritos do sul de Cabo Delgado e nas províncias vizinhas de Nampula, Niassa e nas mais longínquas Zambézia e Sofala.
Com recursos mais do que nunca necessários para ajudar a salvar vidas, “é incrivelmente oportuno unir esforços agora e proteger a segurança alimentar e nutricional e a subsistência de moçambicanos – homens, mulheres, adolescentes e crianças – afectados por ataques armados, ciclone Kenneth e a pandemia da COVID-19 ”, disse Antonella D’Aprile.
A segurança física, o bem-estar e os direitos humanos das pessoas deslocadas internamente estão em jogo, visto que são altamente dependentes de alimentos e outras formas de ajuda humanitária.
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